Da reportagem local
Tem um ônibus quebrado no meio da Avenida Brasil. Ele é grande, pesado, e apesar de estar parado há um bom tempo – uns 15 anos – ainda carrega muita gente. Já tentaram contorná-lo pela direita, pela esquerda, já tentaram subornar o cobrador e passar por dentro. Já tentaram até arrancar um pedaço, que aprendeu a rodar sozinho.Nada adiantou. Mais recentemente, concluíram que o jeito era continuar empurrando, para ver se uma hora ele pegava no tranco ou se saía meio, liberando a avenida para os encardidos veículos que vem atrás.
É verdade que o ônibus não é o único problema da avenida. Mesmo que o demolissem, ainda haveria buraco no asfalto, sujeira na calçada, passarela para construir. O engraçado é que já apresentaram projeto para tudo isso. Mas, por maior que seja, ninguém reparou no ônibus atravessado – desfigurado pelo tempo, marcado pelo sol e pela chuva –, que é uma das principais causas da lentidão.
As janelas não abrem, a placa está desbotada, o preço da passagem não pára de subir. Incomodados, alguns transeuntes acharam que a solução era colocá-lo na vertical. Não deu um minuto e ele tombou novamente, espalhando pedaço para todo lado. A tentativa deixou uma rachadura no chassi, remendada com durepox e muita reza.
E, depois de tudo isso, os especialistas ainda acham que o ônibus vai voltar a crescer. Têm razão. O ônibus é como uma figueira centenária que não desiste de viver. Todo dia tem gente batendo na porta, pedindo para entrar. Já que precisam esperar sentados, os que encalharam na avenida Brasil preferem esperar lá dentro.
Esses passageiros mal conversam entre si, tão cansados, tão diferentes uns dos outros são. O motorista se foi. O tanque esvaziou, o pneu murchou e a lataria está suja de lama. Mas o ônibus continua imponente, irascível, atravessado na Avenida Brasil. Ninguém sabe para onde o ônibus queria ir. No painel do destino, só quatro letras ainda não desbotaram completamente e podem ser lidas.
E é por isso que o ônibus foi apelidado de PMDB.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Esse ônibus é mesmo uma miscelânea. Não respeitarema os 10% de lugares para idosos, o Ulisses morreu; um motorista tentou fazer o ônibus pegar no tranco (Quércia), acabaram com o Estado de São Paulo, tentaram por uma cobradora bonita (Rita Camata), pra ver se ajudava, mas o Serra perdeu pro Lula... Agora, mesmo parado, tem até Garotinho dentro, vendendo bala e chiclete!
belíssimo texto. Um novo paradigma para o jornalismo-charge.
Postar um comentário